segunda-feira, maio 31, 2010

Gosto das Mulheres que Envelhecem!...




Gosto das
mulheres que envelhecem,
com a pressa das suas rugas, os cabelos
caídos pelos ombros negros do vestido,
o olhar que se perde na tristeza
dos reposteiros. Essas mulheres sentam-se
nos cantos das salas, olham para fora,
para o átrio que não vejo, de onde estou,
embora adivinhe aí a presença de
outras mulheres, sentadas em bancos
de madeira, folheando revistas
baratas. As mulheres que envelhecem
sentem que as olho, que admiro os seus gestos
lentos, que amo o trabalho subterrâneo
do tempo nos seus seios. Por isso esperam
que o dia corra nesta sala sem luz,
evitam sair para a rua, e dizem baixo,
por vezes, essa elegia que só os seus lábios
podem cantar.


Nuno Júdice

sábado, maio 15, 2010

AUSPICIOSO!...


“Auspicioso” é o nome do lugar
onde costumamos observar as aves que voam
e que nada inventam para serem naturais.

Ninguém nota, mas nós chamamo-las,
pelo aceno da fímbria das nossas vestes
aos quatro ventos,
e quando, nos madrigais que inventamos,
a voz das nossas mãos se dá,
planamos nós também,
por sobre os acomodados vales,
de braços abertos às brisas suaves
como sinos de cristais.

Ali reconstruiremos a nossa casa,
retiraremos os escombros,
a fuligem e a espessura do pó
da nossa morada,
e as nossas portas não serão portas,
mas fios de flores
que nos perfumarão
a entrada
de cada amanhecer.


Teresa Castro

terça-feira, maio 04, 2010

O Poema Original!


Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutra pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse ao abismo
e faz um filho às palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever em sismo.

Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte
faz devorar em jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.

Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce à rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.

Original é o poeta
que chega ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.

Esse que despe a poesia
como se fosse mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.

Ary dos Santos, in 'Resumo'