quarta-feira, maio 17, 2006

Acordar viver


Acordar Viver

Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.
Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?
Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra
e sua púrpura demente?
E mais aquela ferida que me inflijo a cada hora,
algoz do inocente que não sou?
Ninguém responde, a vida é pétrea.

Carlos Drumond de Andrade