segunda-feira, janeiro 14, 2008

Entrevista Luiz Pacheco (extracto)...


Porrada por encomenda não


Sim, às vezes sou um bocado duro, mas a dureza não é só franqueza, é uma exigência própria. Mas isso hoje não interessa a ninguém, hoje tudo se resume ao deve e ao haver. O que vejo por exemplo nos meus filhos, é uma retracção. Eles não se abrem. Há uma predisposição para a pessoa gostar de si própria e, em consequência disso, fecha-se, cria uma barreira. Se você ler certos textos meus vai encontrar coisas que não são fáceis de serem ditas. Tenho em mim um gosto de estar atento. Estar atento é vermo-nos, a nós próprios como aos outros, da maneira certa. O que é muito difícil.
As pessoas mudam de uma maneira total. Às vezes é até muito rápido, não é ao longo da vida. Ninguém muda? Bem, talvez. Eu acho é que ninguém, quase ninguém, se revela. Houve uma altura em que eu tinha a noção de que conhecia tudo. E hoje tenho a noção contrária. A pessoa mais boçal, mais primária, de repente tem gavetas fechadas. É muito difícil conhecer os outros. Há um texto meu que é o Teodolito, que é o homem e a sua circunstância. A pessoa que conhece a sua circunstância - se você estivesse aqui neste sítio onde eu estou, rodeada de canibais, você ficava de repente muito atenta, por uma questão de autodefesa - fica atenta. Não, não é preciso conversar muito para conhecer o outro. Há aqui uma coisa que é a gorjeta, que é um caso sério. Porque não se sabe a quem se há-de dar, se se há-de dar igual a todos, é uma chatice. Depois descobri que elas gostam é do "pourboir" discreto. Ai nos cabeleireiros também é assim? Ai não sabia. Eu sou um tipo atento. É uma maneira de estar na vida. Quando comecei a publicar no Público alguém anunciou: o escritor e polemista Luiz Pacheco. Queriam que eu fosse para o jornal dar porrada. E eu, só para chatear, para contrariar, estive quase um ano a retrair as unhas. Porrada por encomenda não."

Luiz Pacheco, 2004