quarta-feira, maio 28, 2008

O número dos versos!...


É muito igual a literatura, o que fica guardado nos livros.
Com o tempo mudou o verso, a curva, o arco, o declive,
o mal-estar, a maneira de enumerar as paisagens,as coisas desconformes.
Imagina tu as palavras que se repetem
à saída dos cinemas de província, atravessando o nevoeiro
das noites de Inverno; imagina tu estas ruas que ficam desertas
com o crepúsculo, os campos de batalha, os recados e bilhetes
de amor que nunca foram entregues, os caminhos
que levam da madrugada até ao coração da morte.
Poesia fácil, prosa quase; a música vem da sua melancolia
e não da aritmética sentimental, daquelas palavras
(sangue, grito, coração, litoral).
Mais de um halo,do sopro dos pinhais, dos destroços
de um amor de toda a vida.
Desengana-te acerca da poesia, da elevação,da circunstância,
fala apenas - como os antigos - da aventura
de um solitário entre ruínas, levantando as pedras,
reerguendo muros, contando o número de vítimas.
Depois deste haverá outro terramoto, recordarás o vento
nas eiras, o musgo entre os carvalhos, o rio dobrando-se
numa curva onde há mais choupos, esse areal, essa ventania.


Francisco José Viegas
[in Se me Comovesse o Amor, Quasi, 2007]