quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Promessa de uma noite!...




cruzo as mãos


sobre as montanhas


um rio esvai-se


ao fogo do gesto


que inflamo




a lua eleva-se


na tua fronte


enquanto tacteias a pedra


até ser flor




Mia Couto

quarta-feira, fevereiro 25, 2009

E por vezes!...

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos
E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.


(David Mourão-Ferreira)

terça-feira, fevereiro 24, 2009

Ainda!...


Ainda a cor e o tempo das gargalhadas felizes!...

segunda-feira, fevereiro 23, 2009

Faz-me o favor!...




Faz-me o favor

de não dizer absolutamente nada!

Supor o que dirá

Tua boca velada

É ouvir-te já.

É ouvir-te melhor

Do que o dirias.

O que és não vem à flor

Das caras e dos dias.

Tu és melhor --

muito melhor!--

Do que tu.

Não digas nada. Sê

Alma do corpo nu

Que do espelho se vê.


Mário Cesariny

domingo, fevereiro 22, 2009

Antes que chegues!...


Antes que chegues
crescem as horas
e anoitece o olhar.
Antes que chegues
voam os pássaros
de costas para a luz
Antes que chegues
já é dia,
de outro dia, que inventei!...
annadomar

segunda-feira, fevereiro 16, 2009


Vem dos montes friíssimos da Noruega
onde te sonhei para beberes estrelas
e caminhar a custo entre as cascatas
onde a ternura é um escadote
e o ar um caracol de planetas nas órbitas


António Maria Lisboa
(in Poesia de António Maria Lisboa - Assírio e Alvim)

sexta-feira, fevereiro 06, 2009

Para pintar o retrato de um pássaro!...


Para Elsa Henriquez



Primeiro pintar uma gaiola

com a porta aberta

pintar depois

algo de lindo

algo de simples

algo de belo

algo de útil

para o pássaro

depois dependurar a tela numa árvore
num jardim

num bosque

ou numa floresta

esconder-se atrás da árvore

sem nada dizer

sem se mexer…
Às vezes o pássaro chega logo

mas pode ser também que leve muitos anos

para se decidir

Não perder a esperança

esperar

esperar se preciso durante anos

a pressa ou a lentidão da chegada do pássaro

nada tendo a ver

com o sucesso do quadro

Quando o pássaro chegar

se chegar

guardar o mais profundo silêncio

esperar que o pássaro entre na gaiola

e quando já estiver lá dentro

fechar lentamente a porta com o pincel

depois
apagar uma a uma todas as grades

tendo o cuidado de não tocar numa única pena do pássaro

Fazer depois o desenho da árvore

escolhendo o mais belo galho

para o pássaro

pintar também a folhagem verde e a frescura do vento

a poeira do sol

e o barulho dos insectos pelo capim no calor do verão

e depois esperar que o pássaro queira cantar

Se o pássaro não cantar

mau sinal

sinal de que o quadro é ruim

mas se cantar bom sinal

sinal de que pode assiná-lo

Então você arranca delicadamente

uma das penas do pássaro

e escreve seu nome num canto do quadro.

Jacques Prévert

de “Paroles” (1945)

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Toranja - Quebramos os Dois!..



Quano os fogos se extinguem!...