sexta-feira, novembro 30, 2007

A casa arrumada, os carros alinhados à chegada , passos apressados na rua, tudo se cruza , para se separar!... annadomar

quinta-feira, novembro 29, 2007

Lembro!...

Lembro-me de ter andado neste campo,
de ter sacudido o sol de dentro das espigas,
de ter ouvido ao longe alguém rir e depois o silêncio,
de sentir que nada se passava ao passar pelos muros,
de não ver ninguém e era a tarde a começar,
de fechar os olhos para me libertar do azul,
e de os abrir como se o céu tivesse outra cor,
de olhar para uma casa como se alguém a habitasse,
e de saber que as janelas se abrem para ninguém,
de perguntar de onde veio a flor que colheste,
sem me lembrar que é o tempo das flores,
de te perguntar quem és sem ouvir uma palavra,
e de ouvir tudo o que a tua respiração me diz,
de teres pousado a cabeça no chão
como se a terra te dissesse um segredo,
e de ter adivinhado o que a terra te disse
quando te olhei, e o teu rosto dizia tudo.

Nuno Júdice

terça-feira, novembro 27, 2007

Nocturno


À noite vou por aí,
ociosamente.
Percorro um ritual lilás
feito de violetas de pedra
e traço cada pausa
no retorno da lua inicial.
Aqui a memória é lenta
como as angústias.
Muitas vezes vejo árvores
com frutos azuis,
ou animais em nudez perfeita
respirando o vento.
A escuridão é o subterfúgio
inesperado do coração
quando o olhar aquece
e o orvalho é de cetim.
Há máscaras de búzios e limos
na cara de quem passa.
Nas suas vozes ouço o itinerário
das manhãs siderais
e nasce nos meus passos
o rumo da via láctea.
Ninguém me conhece.
Venho do arco-íris
e trago nos dedos
o ângulo transparente da noite

Graça Pires

domingo, novembro 25, 2007

fechado...


Fechado numa casca de noz eu poderia julgar-me
rei de um espaço infinito...



(Shakespeare in Hamlet)

quarta-feira, novembro 21, 2007

terror de te amar!...




terror de te amar
num sítio tão frágil como o mundo...

Sophia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, novembro 20, 2007

Dire Straits Private Investigations

Parece-me bem para um fim de dia

segunda-feira, novembro 19, 2007

Há seres que são mais imagem que matéria!...

Foto Jorge Molder


Há seres que são mais imagem que matéria

mais olhar do que corpo

tão imateriais os amamos

que quase não queremos tocá-los com palavras

desde a infância os buscamos

mais no sonho que na carne

e sempre no limiar dos lábios

a luz da manhã parece dizê-los


Homero Aridjis

sábado, novembro 17, 2007

Estou em sintonia!...

Estou em sintonia com um tempo
De costas viradas ao mar
Enquanto navegas nos meus sonhos
Vejo-te de perfil contra a amurada
Num cais tão perdido quanto o meu
Coberto de musgo de má memória
Não tem nome nem vida própria
As marés chegam silenciosas
Como se contassem segredos
Nos rostos perdidos dos pescadores
há marcas de saudade
Em tempos, voltava-me para o Mar
Incendiava os sonhos ao entardecer
Dava-te a mão e o medo esfumava-se
por entre os dedos, entrelaçados nos meus
Caminhávamos sozinhos com o Mundo inteiro
no peito!...


annadomar

sexta-feira, novembro 16, 2007

Hoje ficamos assim, enquanto a noite cai fria e distante!... annadomar

quinta-feira, novembro 15, 2007

Ausente...


***
Ausente dos homens e das flores

vagueio por dentro de um túnel negro do tempo.

Não estou

Não sou

Não quero estar

Não quero ser

E conquanto, num estado de silenciado pranto,

no âmago mais profundo,

esquálida espada emerge lívida.

Desejo reles e permanente,de querer ser ... gente!

Na raiva, aglomero muros, mordo a língua,

cerro os dentes,asfixio a palavra no turbilhão ciclónico da saliva.

Ausente dos homens e das flores

Rebusco um gesto

Um sentido pressentido

Ouso elevar um braço

Iço-me étera no oco do espaço

Dependuro-me equilibrista,

acrobata,no vértice do som mais estridente.

Nas estrelas electrizadas, nas redondas, nas bicudas.

Com a boca faço-as mudas.

Silenciadas! Abocanhadas ...

Desço na cauda de um cometa

a quem peço alvíssaras e meças.

Respondem-me sempre os ecos escorridos dos fungos,

dos mortíferos cogumelos, dos mais letais,

acantonados nos vitrais da memória.

Ausente dos homens e das cores

apenas o negro pinta as maças do teu rosto

e das flores e dos frutos esqueci há muito recortes


Mel de Carvalho

quarta-feira, novembro 14, 2007

Clamor!...

Tudo bem ao chamamento
Noite após noite o que dissemos e
O que nunca diremos - a viagem
Com uma giesta de algodão presa nos cabelos e
A sensação fresca de um sulco de aves na pele
Tudo vem ao chamamento- os lobos
Os anões as fadas as putas as bichas e
A redenção dos maus momentos - enquanto te barbeias
Vês no espelho o homem
Cuja solidão atravessou quase cinco décadas e
Está agora ali a olhar-te - queixando-se da tosse
Da dor de dentes e do golpe que a lâmina fez
Num deslize perto da asa do nariz
Não sei quem é - sei porém que vai afogar-se
Naquela superfície clara quando dela se afastar e
Abrir a porta para sair de casa murmurando: tudo
Vem ao chamamento
Por dentro do clamor da noite.

Al Berto

terça-feira, novembro 13, 2007

Comovem-me...

Comovem-me os teus quadris de guerreiro virgem. E as tuas mãos estão na minha garganta como um colar de opala e âmbar, os teus tornozelos enlaçados nos meus são como as asas da borboleta nocturna e os guizos da dança.

Corpo Verde
Maria Velho da Costa

segunda-feira, novembro 12, 2007

domingo, novembro 11, 2007

Há noites!...


Há noites a pedir que lhe roubem o medo!...

Há noites em que escurecemos nos cantos

Há noites com saudades
H
á noites que se despem sem volúpia

Há noites que se vestem de mentiras

Há noites com gritos calados

Há noites que espreitam a madrugada

Há noites em que desistimos de sentir!...


annadomar

sexta-feira, novembro 09, 2007

O Sentimento de Um Ocidental!...


Ave- Maria

Nas nossas ruas ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.
O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.
Batem carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão.
Felizes!Ocorrem-me em revista, exposições,
países:Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!
Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.
Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.
E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!
E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
E em terra num tinir de louças e talheres
Flamejam, ao jantar alguns hotéis da moda.
Num trem de praça arengam dois dentistas;
Um trôpego arlequim braceja numas andas;
Os querubins do lar flutuam nas varandas;
Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!
Vazam-se os arsenais e as oficinas;
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.
Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.
Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!

Cesário Verde

quinta-feira, novembro 08, 2007

É um tempo!...



É um tempo de silêncio,

este, que se esgota em dias inquietos

amargos, nus de palavras boas

e essas, ficam bem em qualquer lado!

Rompem-se diques cá dentro

É um tempo inútil, despovoado de afectos

Olham-nos como se fossemos estranhos

Invadindo a casa

Esperam tudo de nós

Mas as fontes secaram.

Resta um fio inquietante de fumo,

que nos escurece a alma, enturpece os

sentidos e não desata nós.

É um tempo de silêncio, que magoa!...

annadomar

quarta-feira, novembro 07, 2007

Às vezes!...

terça-feira, novembro 06, 2007

Se deste Outono...


Se deste outono uma folha,


apenas uma, se desprendesse


da sua cabeleira ruiva,


sonolenta,e sobre ela a mão


com o azul do ar escrevesse


um nome,somente um nome,


seria o mais aéreo


de quantos tem a terra,


a terra quente


e tão avara


de alegria.



Eugénio de Andrade

domingo, novembro 04, 2007

Aproxima o teu...

Aproxima o teu coração
e inclina o teu sangue
para que eu recolha
os teus inacessíveis frutos
para que prove da tua água
e repouse na tua fronte
Debruça o teu rosto
sobre a terra sem vestígio
prepara o teu ventre
para a anunciada visita
até que nos lábios humedeça
a primeira palavra do teu corpo

in, Raíz de Orvalho e Outros Poemas
Agosto 1980


Mia Couto


sexta-feira, novembro 02, 2007

Passos!...


Passos, são marcas voláteis
Alguns são difíceis, requerem coragem
Ou alguma leviandade de espírito
Porque magoam, porque não se esperam...
Outros bem marcados e firmes onde se pressente
a vontade de caminhar, de ir por aí
De se perder em horizontes com o fim de dia a rasgar
A memória de laranjas ou azuis de chumbo
Mas passos, são sinais mesmo que efémeros!...
annadomar