quarta-feira, maio 31, 2006


Queria olhar este mar
E esquecer o tempo.
O voo das gaivotas
é circular, como a loucura.
Ter-te ainda neste espaço
em que tudo se confunde
É como dizer hoje sendo já
amanhã.
E amanhã é longe...



annadomar


Nega-me o pão,
o ar,a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.



Pablo Neruda

segunda-feira, maio 29, 2006

este café...


Vestimo-nos de branco
Esperamos a manhã
Embrulhada em papel de sono
O sol já vai alto
Os semáforos já abriram
As sirenes já tocam
Da madrugada, cai-se no dia
Que não apetece.
Só este cheiro a café fresco

Me faz olhar-te
Soltar um sorriso
Tão cansado...



annadomar

sexta-feira, maio 26, 2006

Ausência





Ausência
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces.Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado. Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada.Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado. Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face. Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada. Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite. Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa. Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço. E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado. Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos. Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir. E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas. Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.


Vinícius de Moraes

o primeiro beijo...



À luz do dia, roubei-te o primeiro beijo de muitos que vieram depois.

Guardo ainda no meu peito, o sabor a morango!...

annadomar

segunda-feira, maio 22, 2006

os gatos


Os gatos... Os gatos,
Gostam do azul,
Do sol
De espreitar,
de esperar,
O dia que desaparece.
No fim da rua,
naquela esquina
também azul!...

Annadomar

Diz homem,
diz criança, diz estrela.
Repete as sílabas
onde a luz é feliz e se demora.
Volta a dizer: homem, mulher, criança.
Onde a beleza é mais nova.


Eugénio de Andrade

sexta-feira, maio 19, 2006

De repente...


De repente a mensagem
De um amor antigo
Cheio de saudade
As palavras que fomos dizendo

a distância
a vida
a memória
amanhã
Esse amanhã em que nos fomos perdendo
Em que nos fomos tendo, sempre com o possível
Hoje, o tempo desse tempo
Prende-se numa lágrima teimosa
Numa nostalgia incerta
Numa alegria breve
Num voo tímido, cheio de medo
E para nos teus olhos verdes.
O vento descansa nos ramos da minha janela
Boa- noite meu amor tão antigo!
Parto com a memória debaixo do braço
Vou lê-la naquele banco de jardim.

Annadomar


envelheci...


Envelheci com os carvalhos
Em campos de urzes
Mas nasci entre imbondeiros
Cheirando a goiabas e pitangas
Subia à cajajeira e era tão feliz!
Mas entre um tempo e outro
Fui tendo o Mar como porto
Com o tempo a descansar!...

annadomar

quarta-feira, maio 17, 2006

é este vermelho...

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É este vermelho que me tinge o olhar
De uma alegria infantil,
Nas manhãs claras da Primavera
Com os campos ainda orvalhados
Das noites de lua cheia,
Dos sussurros dos segredos
Que trocamos no pontão
No infinito de nós!...

annadomar

nestes dias...




Em tempos de ira, vira as costas ao mar
Vingando-se da tristeza que a toma
Fica diferente
Perde o olhar vago na melancolia
O sorriso atropela-se numa lágrima
As mãos não desenham barcos
Ou gaivotas em voo
Fica diferente
Nestes dias cinzentos de alma
Parte sem destino
Atravessa o vazio
E veste-se de noite escura.


annadomar

Acordar viver


Acordar Viver

Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.
Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?
Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra
e sua púrpura demente?
E mais aquela ferida que me inflijo a cada hora,
algoz do inocente que não sou?
Ninguém responde, a vida é pétrea.

Carlos Drumond de Andrade

terça-feira, maio 16, 2006


Há uma rosa presa no meu peito
Enquanto te olho
Contas as palavras
Eu deduzo pétalas!...
annadomar

sonhos

segunda-feira, maio 15, 2006


estação

Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho

Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareça

Mário Cesariny

o deserto


À boca do deserto, dividimos o pão, o vinho
as histórias.
À porta da tenda, escrevi o teu nome
enquanto dormias.
Passado todo o tempo
Ainda me emociono
Com a parte, que aí ficou de mim!...


annadomar

Vou-me Embora


Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
Lá sou amigo do rei
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Manuel Bandeira
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sexta-feira, maio 12, 2006

caminhamos...


E a noite despe-se com a Bethânia,
A emoção não é consentida nestes tempos de ira
Em que nos perdemos nas ruas desta cidade
Perde-se o espanto do olhar,
A inocência das manhãs brancas
Já não desaguamos em águas claras.
Os rios já correm em margens apertadas,
Mas não apetece atravessar!...
Ás vezes só não sabemos de nós
Caminhamos em noites escuras,
Percorrendo a tristeza das memórias,
Em pontes que nos ligam ao nada!...


annadomar

quinta-feira, maio 11, 2006

um gesto


Do outro lado do mundo
Duas crianças esquecidas
Cansadas, sujas
Recriaram a vida
Num gesto tão frágil
Como salvar um pássaro
E partilharam um gesto-
Um sopro quente de magia,
Diz quem viu,que voou!...


annadomar

terça-feira, maio 09, 2006

dividir!


Devias estar aqui rente aos meus lábios
para dividir contigo esta amargura
dos meus dias partidos um a um- Eu vi a terra limpa
no teu rosto.
Só no teu rosto e nunca em mais nenhum

in, Eugénio de Andrade

...os sábados da minha rua


Porque hoje é sábado tudo se aproxima da chama da rua.
Atravessam passadeiras em jeito desengonçado,
distraídos e desocupados.
Compra-se o jornal, fala-se ao vizinho, sacode-se os
tapetes , com gestos de bailarina dessincronizados
O tempo quase para, enquanto ainda a teimosia de um sorriso aberto,
se desenha no rosto daquela criança perdida com um cão. Ambos estão sujos. Ambos têm fome!...
Ambos escolheram ser aquilo que ninguém quer!...
É também disto que se fazem os sábados preguiçosos da minha rua!
O rapaz dos anúncios que enche as caixas de correio com ar safado.A vizinha que sai ensonada com a trela sem cão, mas fala com ele,até se baixa para lhe fazer uma festa e acorda assustada.


Coloco-me então atrás das cortinas, desenho palavras quase novas e aproximo-me da rua!...


annadomar

segunda-feira, maio 08, 2006

ausência


Ausência
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces.Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado. Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada.Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado. Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face. Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada. Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite. Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa. Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço. E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado. Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos. Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir. E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas. Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

MORAES, Vinícius de. ANTOLOGIA POÉTICA.

sexta-feira, maio 05, 2006

o olhar...




Espreita-se, a vida , o tempo, a memória. Fica-nos o espanto no olhar, as mãos colhem papoilas vermelhas, no peito o sobressalto deste encontro mágico. Os olhos são lagos tranquilos de ternura, onde mergulhar é tão fácil.

O olhar atravessa este mar de afectos, com que vestimos as manhãs ensonadas!

annadomar


quinta-feira, maio 04, 2006



A lua morreu à boca do dia
Caiu na manhã gelada
Mesmo aos meus pés
Destroços azuis brilhantes
Vestiram a rua ainda a dormir
Cortei o teu olhar com o meu
Desenhei no teu peito um pássaro Respondeste-me com um beijo longo no sopro.

annadomar

preto e branco

E se de repente te dissesse que abandonei o mar, virei as costas e me perdi? Hoje estou estranha. A vida perdeu caminho, tudo é a preto e branco...
As gaivotas correram a praia em pranto, os reencontros foram adiados, percorri o tempo e tu não estavas na amurada habitual. Uma criança saltou, a terra tremeu e eu fugi de tanta vida que andava por ali. Há dias assim, que não apetece o azul deste céu deslumbrante que carregamos em sobressalto.
Agora há um silêncio total na praia, o sol acabou desaparecer na minha mão. Eu sabia que hoje era mau dia para sonhar!...
annadomar