domingo, fevereiro 28, 2010

Entre paredes meias!...


Entre paredes meias
Com a vida e com o tempo
A memória percorre o corpo
E fixa-se no amanhã
o que está por vir
o que ainda não foi vivido
o que ainda não foi dito
o que ainda não foi escutado
o que ainda não foi sentido
é tão imenso quanto o oceano
que te separa dos outros
da memória que guardavas
de cada olhar, para além do teu!

annadomar

segunda-feira, fevereiro 15, 2010

Um dia!..


Um dia virei
colado a um verso, embrulhado
numa folha, dobrado
a um canto,


para que os teus lábios
me ciciem, os teus olhos
me beijem


e eu não saiba


e eu não sinta.


Albano Martins


(1930)

sábado, fevereiro 13, 2010

Ainda aqui neste Mar!...




Onde cruzei o meu olhar com o teu?...

Vejo-te sentada na cama com um ar abatido pela posição dos ombros. Sabes que te vejo da minha janela indiscreta, mas não te importas, é como se gostasses de exibir a tua nudez e a tua dor. Penso que te terei visto pela primeira vez a passeares na praia, era Inverno e um vento gelado colava-se ao corpo, apenas via os teus olhos debaixo do capuz e garanto-te que eram verdes e tristes como o dia. Fixei-os e consigo reconhecê-los caso te vires e te cruzes de novo com os meus, carregados de avidez.

É difícil este tempo de desencontros e de silêncios de alma. Cruzamos a nudez dos olhares com o despudor dos corpos, que se exibem escondidos em si próprios. São momentos amargos, com a dor a vestir-se disfarçadamente de negro em céu plúmbeo, com os pássaros ainda a partirem para Sul. Um barco atravessa o horizonte deste Mar, distraio-me de ti e penso que a saudade se escreve na praia até ao regresso, aonde os lenços são acenados e os olhos perdem-se no horizonte. Esperas alguém?... São momentos de emoção total. Volto de novo a ti continuas na mesma posição, nem os músculos se mexem. Terás vida? Um coração que bate? Ou serás apenas aquilo que eu inventei ver?...

De repente assustei-me com o desconforto desta hipótese, estou mais só do que imaginava. Tenho as noites povoadas de fantasmas que atravessam o quarto, caminham pela casa e saem pelas janelas fechadas, há carros a travarem nas passadeiras destas madrugadas frias. Dá-me um sinal, de que existes, que és real, que posso contar contigo para falarmos um dia sobre o silêncio dos nossos olhares, quando se cruzaram.



annadomar

sexta-feira, fevereiro 05, 2010

Invictus!...


...Por esta estreita senda - eu não declino
Nem por pesada a mão que o mundo
espalma;
Eu sou dono e senhor do meu destino;
Eu sou o comandante da minha alma...

Invictus,
William E Henley

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

No caminho com Maiakóvski!...


No caminho com Maiakóvski


Assim como a criança

humildemente afaga

a imagem do herói,

assim me aproximo de Maiakóvski.

Não importa o que me possa acontecer

por andar ombro a ombro

com um poeta soviético.

Lendo teus versos

aprendi a ter coragem


Tu sabes,

conheces melhor que eu

a velha história.

Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem:

pisam as flores

matam nosso cão,

E não dizemos nada.

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz, e,

conhecendo o nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm

a ninguém é dado

repousar a cabeça

alheia ao terror.

Os humildes baixam o cerviz;

e nós,que não temos pacto nenhum

com os senhores do mundo,

por terror nos calamos.

No silêncio do meu quarto

a ousadia me afogueia as faces

e eu fantasio um levante;

mas amanhã

diante do juiz,

talvez meus lábios

calem a verdade

como um foco de germes

capaz de me destruir.
(...)



Eduardo Alves da Costa

1985