segunda-feira, julho 30, 2007

Há-de flutuar uma cidade no crepusculo da vida

..." e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta"!...

A rua estreita!...


Às vezes só não sabemos onde ir,
a rua estreita, as cores das casas,
o eléctrico amarelo
tropeçar nos degraus, na vida
e ainda sobrar o tempo da queda.
Praguejar alto, ouvir o eco dessa raiva
que arrastamos vadios,
sem o espaço habitual das manhãs
de cheiro a pão fresco, a café quente
Há mapas que ensinam lugares
mas não há almas que queiram aprender
Esperam que anoiteça com as cores
quentes das casas
É nesse ponto que reiniciam a marcha
de regresso a casa ou
a qualquer outro lugar!...
annadomar

domingo, julho 29, 2007

Mãos!.


Os nomes que dei às mãos
desenham-se tão perto de mim
que compreendo o desejo sem fantasmas.

Nos dedos principiam as marés
e neles se misturam o reflexo e a máscara
de regressos e errâncias por equacionar.

Os olhos não se fixam na geografia
visível das linhas. Os corpos deixam
de ser um cais.
O mar estremece
nos ossos como um sismo.

O primeiro sinal de naufrágio
percebe-se na palma da mão
mesmo quando os barcos
passam ao largo do nosso desalento.

Rente à solidão.

Na trajectória do vazio
onde inventamos os sons.

Graça Pires

sábado, julho 28, 2007

No silêncio das mensagens ocultas!...


Pára por momentos sobre estas águas revoltas,
para ouvir o aceno do mar do interior
dos corais essa proximidade vulcânica,
esse assombro de cor esse espelhar de estrelas naufragadas.
Ouve esse coração de prata deslizando nos cardumes
Esse gosto marítimo na boca cantando sobre a dança das algas
Não achas que este tempo tem que parar fisicamente
para ouvir outro som, outra respiração?
Não achas que ainda é possível o encantamento
das marés sobre a crina da liberdade
e que o pensamento pode serenar para dar à contemplação
o motivo pela qual os planetas são pedaços de exteriores
virados para os secretos do infinito?
E o nosso olhar tem limites de alcance
para dentro do interior solitário tão fecundo
como a multiplicação das nebulosas.
Nunca ames em vão nesse voo de longo caminho
de desperdiçar corações de porcelana...


Diana Mora

sexta-feira, julho 27, 2007



Hoje apeteceu-me brincar com as cores...

Estou cansada, mas valeu a pena

Ficamos com muita tinta no corpo

Mas não há nada que um bom banho não resolva

E sempre nos fomos rindo entre pinceladas!...

annadomar

quinta-feira, julho 26, 2007

Que poderei de mim mais arrancar
P'ra suportar o dom da tua mão,
Anjo rubro do vento e solidão
Que me trouxeste o espaço, o deus e o mar?

No céu, a linha última das casas

É já azul, alada, imensa e leve.
Nenhum gesto, nenhum destino é breve
Porque em todos estão inquietas asas.

Depois ao pôr do sol ardem as casas,

O céu e o fogo passam pela terra,
E a noite negra vem cheia de brasas
Num crescendo sem fim que nos desterra.


Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, julho 25, 2007

Antes...


Antes do tempo, antes do gesto
Visto a despedida
Como se de repente o Verão acabasse
Nos teus olhos
E as tuas mãos esfriassem ternura
Quero uma noite tranquila
Em que a lua me regue o corpo
De prata e o mar venha molhar-me
Os pés junto à maré
Visto a despedida
Antes que palavras sujas,
Fustiguem ao lagos que atravessamos
Sem saber de regressos
Mesmo assim, guardei a bússola
Para chegar aqui já sem ti!...


annadomar

terça-feira, julho 24, 2007

Jorge Palma - Encosta-te a Mim

Ainda é tão bom ouvi-lo!...
Dança ao meu compasso, leva-me pelo sonho...
annadomar

segunda-feira, julho 23, 2007

Que música escutas tão atentamente?
Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.
Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?
Deixa-te estar assim,ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.


Eugénio de Andrade

domingo, julho 22, 2007

Sustenho a madrugada!...

Sustenho a madrugada
Depois das noites esbracejadas
Em que o teu corpo se cola ao meu
Num fio imaginário de paixão
Sussurras letras para a construção
de palavras
Tão usadas, que quase desaparecem
Nos teus lábios de carmim
Pinto o amor no teu corpo
Enquanto foges de mim
Percorro o tempo perdido
Encontro nos escombros
Os últimos momentos de nós
Suados num Verão tão antigo
Que se esquece o nome
Do sítio exacto em que nos amamos!...

annadomar

sexta-feira, julho 20, 2007

Diana Krall How Insensitive Tom Jobim Tribute

São assim os fins de dia, entre um copo gelado e a músicaa encheras paredes!....

Os barcos!...


Os barcos como nós,
às vezes também estão tristes...
Não partem
Porque amarrados ao cais
Esperam enlouquecer com o azul
Com a noite a espreitar as ondas!....
annadomar

quinta-feira, julho 19, 2007

É hoje!...



É hoje, que te conto uma história

Enquanto o Verão desponta

Nas árvores inclinadas de luz

É hoje, que guardo os teus passos descuidados

Com os pés descalços na relva fresca

É hoje, que digo o quanto te amo

Enquanto sozinho fazes a travessia

da escassez das palavras

É hoje, que escrevo o teu nome

pela primeira vez no espelho da alma

É hoje, que sinto o som das montanhas

de regresso ao meu País

É hoje, que te digo os nomes

do teu pai , da tua mãe, das flores

e dos rios que hás-de descer

É hoje, que te falo do teu primeiro sorriso,

do teu primeiro choro

Quando criança te embalava

O vento trazia a esperança de um dia

e de mais outro dia, até cresceres

É hoje, que te peço que não tenhas medo

de descer estes montes e correr pela vida

Enquanto o tempo foge

E a noite acontece

É hoje, que te olho no mais fundo dos teus olhos

e digo- vou partir para as montanhas,

mas não deixarei de te ver nestas planícies

que com o tempo conquistaste e olharei por ti!...

annadomar

quarta-feira, julho 18, 2007

Sem título e bastante breve!..


Tenho o olhar preso aos ângulos escuros da casa
tento descobrir um cruzar de linhas misteriosas, e
com elas quero construir um templo em forma de ilha
ou de mãos disponíveis para o amor....
na verdade, estou derrubado
sobre a mesa em fórmica suja duma taberna verde,não sei onde
procuro as aves recolhidas na tontura da noite
embriagado entrelaço os dedos
possuo os insectos duros como unhas dilacerando
os rostos brancos das casas abandonadas, á beira mar...
dizem que ao possuir tudo isto
poderia Ter sido um homem feliz, que tem por defeito
interrogar-se acerca da melancolia das mãos.......
esta memória lamina incansável
um cigarro
outro cigarro vai certamente acalmar-me....
que sei eu sobre as tempestades do sangue?
E da água?
no fundo, só amo o lodo escondido das ilhas...
amanheço dolorosamente, escrevo aquilo que posso
estou imóvel, a luz atravessa-me como um sismo
hoje, vou correr à velocidade da minha solidão
Al Berto

terça-feira, julho 17, 2007

PEDRO ABRUNHOSA / ILUMINA-ME

Gosto de ti, como gosto da luz dos teus olhos
quando se cruzam com os meus!
Gosto... do Pedro Abrunhosa, sempre!

segunda-feira, julho 16, 2007

Um fio de água!...

Um fio de água corre-me na alma, não é um rio nem tão pouco um mar qualquer, é mesmo só um fio de água.
Desprende-se dos olhos suavemente,corre pela garganta e sinto-o a cair gota a gota no estômago.
Enquanto isso acontece, olho o tecto do quarto ainda em obscuridade, abro alternadamente um e outro olho, numa tentativa de inverter essas gotas que se desprendem em manhãs sem sentido, cheias de horas, cheias de vazios, cheias de palavras tristes, que escurecem a alma...
De repente dou um salto da cama, caio no tapete, escorrego muito devagar, arrasto-me até um café quente, espreito o dia sem pressa, tenho tempo de olhar por ele.
São assim às vezes as manhãs com um fio de água, salpicadas de gotas de cristal!

annadomar

sexta-feira, julho 13, 2007

As máscaras!...





“Quando quis tirar a máscara, estava pegada à cara.

Quando a tirei e me vi ao espelho.

Já tinha envelhecido.”


Álvaro de Campos

quarta-feira, julho 11, 2007

Novas famílias!...

Há dias vi um programa na televisão sobre os bancos de esperma. Fiquei completamente extasiada, parei tudo ao ver o fantástico que são estas novas famílias de Século XXI.
Estávamos nós - Nos meus , os teus , os nossos , os que hão-de vir, ou pelo menos eu ainda estava e de repente vejo mães solteiras, casais de lésbicas, que têm filhos com uma simples ida a um banco de esperma. É quase como ir ao supermercado!...
Fascinante, não tinha pensado nisto... e mais, neste momento já há uma base de dados lançada por estas adoptantes, permitindo o encontro de meios irmãos não só na net como ao vivo.

Fica assim:

- Olá, como estás
- Eu estou bem e tu?
- Quem é o teu pai?
- É o QC 49
- Olha que giro o meu também
- Que sabes dele
- Que tem 1.83 de altura, tem olhos verdes, é bailarino de profissão, é saudável e actualmente terá 42 anos
- Quem te disse isso?
- Foi a minha mãe, era o que constava do lote de esperma que ele doou
- Pois , eu nem essa referência tinha, obrigada pelas dicas. Achas que nos podemos encontrar?
- Claro que sim mano, porque não?
- Onde moras?
- Que interessante eu também...
- Vai ser fácil então
- A tua mãe vive com alguém?
- Não, é mãe solteira
- E a tua?
- A minha tem uma companheira, logo tenho duas mães e um pai QC 49.
- Tenho uma amiga cujo pai é o CR 60, temos isso em comum, um pai nominal/ numeral. Há dias encontrei-me com mais meios irmãos nossos contigo já são 5.
- Não me digas. É urgente estar contigo e com eles
- De que cor são os teus olhos?
- Verdes
- Os meus também
- Todos os outros também, descobrimos no último encontro tiques, manias , comuns rimos imenso com essas coincidências a que chamam genética...
- Vou deixar-te o meu contacto telefónico
- Eu também
- Logo que a minha mãe chegue vou dizer-lhe, ela é muito reservada, parece-me que não foi fácil no início, a família reagiu um pouco mal. Isto vai-lhe fazer bem, penso eu...
- Quantos anos tens?
- Faço 11 amanhã
- Eu tenho 12, somos os mais novos de todos os outros.
- Engraçado até há bocado sentia-me um pouco orfão de pai, agora depois de falar contigo, sinto que não sou só filho do QC 49, mas que tenho mais qualquer coisa com que me identificar...
- Ainda bem, melhor será quando nos encontramos.
- Até breve mano.
- Até breve mana.

Poderá ser assim simplificando, o contacto das novas famílias. Eu estou fascinada, vêm-me mil ideias à cabeça, são quase infinitas!...

annadomar

terça-feira, julho 10, 2007



Desculpa, é popelina?....

annadomar

segunda-feira, julho 09, 2007

Meu amor!...


no teu peito de coragem
feito de pedras e cardos
há um país de viagem
e vinhos de cada cor
verdes maduros bastardos.
Há uma pedra de cal
em cada olhar que respira
há uma dor que já dura
desde que dura a mentira
há um muro levantado
numa seara madura.Verde mar
verde limãos
são os teus olhos de medo
o vento é este segredo
que escreve em cada manhã
o nome dela na erva
numa folha numa pedra
nos bagos de uma romã.
Acendo-te uma fogueira
nas tuas mãos acordadas
dou-te flores de laranjeira
dou-te ruas dou-te estradas
dou-te palavras secretas
dou-te coragem e setas
dou-te os meus dedos crispados
ponho cravos amarelos
à volta dos teus cabelos
dou-te o meu sangue vermelho
e o meu canto proibido
Dou-te o meu nome raíz
há muito tempo arrancada
dou-te esta calma guardada
nos homens do meu país
dou-te a fome
do meu canto
dou-te os meus braços em cruz
e as mãos feitas num crivo
dou-te os meus pulsos abertos
mas é por outra que vivo.
Joaquim Pessoa

domingo, julho 08, 2007

Há anjos!...


Há anjos caídos na nossa memória
A preto e branco
Sem o fulgor das cores
A que nos fomos habituando!...
annadomar

Louis Armstrong - What A Wonderful World

Para que o Mundo possa ser ainda um lugar confortável, em que o cheiro a terra molhada nos acorde pela manhã!...

sábado, julho 07, 2007

Príncipe!...


Príncipe:

Era de noite quando eu bati à tua porta
e na escuridão da tua casa tu vieste abrir
e não me conheceste.Era de noite
são mil e umas
as noites em que bato à tua porta
e tu vens abrir
e não me reconheces
porque eu jamais bato à tua porta.
Contudo
quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir
os teus olhos de repente
viram-me
pela primeira vez
como sempre de cada vez é a primeira
a derradeira
instância do momento de eu surgir
e tu veres-me.Era de noite quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir
e viste-me
como um náufrago sussurrando qualquer coisa
que ninguém compreendeu.Mas era de noite
e por isso
tu soubeste que era eu
e vieste abrir-te
na escuridão da tua casa.Ah era de noite
e de súbito
tudo era apenas lábios pálpebras
intumescências cobrindo o corpo de flutuantes
volteios de palpitações trémulas adejando
pelo rosto beijava os teus olhos por dentro.
Beijava os teus olhos pensados
beijava-te pensando
e estendia a mão
sobre o meu pensamento corria para ti
minha praia jamais alcançada
impossibilidade desejada
de apenas poder pensar-te.
São mil e umas
as noites em que não bato à tua porta
e vens abrir-me.


Ana Hatherly

quinta-feira, julho 05, 2007

dulce pontes-cancão do mar

..."a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar"...

Al Berto

Notas para o diário!...



deus tem que ser substituído rapidamente por poe-

mas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis,
vivos e limpos.

a dor de todas as ruas vazias.
sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada deste
silêncio. e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abis-
mo.sinto-me capaz de acabar com esse vácuo, e de aca-
bar comigo mesmo.
a dor de todas as ruas vazias.

mas gosto da noite e do riso de cinzas.
gosto do deserto, e do acaso da vida.
gosto dos enganos, da sorte e
dos encontros inesperados.
pernoito quase sempre no lado sagrado do meu cora-
ção, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.
a dor de todas as ruas vazias.

pois bem, mário - o paraíso sabe-se que chega a lis-
boa na fragata do alfeite. basta pôr uma lua nervosa no
cimo do mastro, e mandar arrear o velame.
é isto que é preciso dizer: daqui ninguém sai sem
cadastro.
a dor de todas as ruas vazias.

sujo os olhos com sangue. chove torrencialmente.
o filme acabou. não nos conheceremos nunca.
a dor de todas as ruas vazias.
os poemas adormeceram no desassossego da idade.
fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais
curto. e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-me
as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas. ..e
nada escrevo.

o regresso à escrita terminou. a vida toda fodida - e
a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.
a dor de todas as ruas vazias.


Al-Berto
Horto de IncêndioAssírio & Alvim
3ª edição - Dezembro 2000

terça-feira, julho 03, 2007

As palavras!...



São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:barcos
ou beijos,as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta?
Quem as recolhe,
assim,cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?
Eugénio de Andrade

segunda-feira, julho 02, 2007

Por tudo!...




Por tudo, por nada

Escrevo o azul dos teus olhos

Tombados no oceano do esquecimento

É ainda o azul, que sempre nos despe

Que cai em socalcos de lágrimas

De saudade de tempos quentes

em que a água chegava à boca

Matando a sede das copas das árvores

Ou somente ao teu desejo de olhar

Parados no vento, dobramos a esquina

Do nosso desencontro

Ficou-nos o por tudo e o por nada deste azul

Em que mergulhamos sem medo de peito aberto

Ao que já foi nosso e já não é mais

Mas a memória, cheira a maresia!...

annadomar

domingo, julho 01, 2007

Os anjos que conheço são de erva e silêncio!...




Os anjos que conheço são de erva e de silêncio
nalgum jardim de tarde.
Mas quais os mais ardentes?
Feitos de mar e sol, elevam-se nas ondas,
entre as mulheres de coxas tão fortes como touros
O meu luto é de mesas e de bandeiras sem paz
É estar sem corpo à espera, inconsolada boca,
o fogo ateia o peito, a cabeça perde a fronte,
o vazio rodopia, é o celeste inferno.
Desço ainda um degrau com o anjo infernal,
um turbilhão de ervas, um redemoinho de sangue
Quem me vale agora se perdi o meu cavalo?
António Ramos Rosa
Ciclo do Cavalo - 1975