terça-feira, setembro 30, 2008

Calcedónia

Afinal os romanos eram
como eu: amavam
os lugares onde a grandeza
e a solidão
andam de mãos dadas

Eugénio de Andrade

domingo, setembro 28, 2008

Gostava!...

gostava de saber dizer-te
como se vem de longe
num pincel de rembrandt desde os lugares do junco
ou da selva ou da água ou só do norte e da neve

e nos sentamos aqui sob o azul dos plátanos: um
murmúrio incessante do mover das aves
suave é esta a sabedoria

conhecer os instantes gomo a gomo como um fruto
ainda verde a querer despontar iluminar-se e colhê-lo
breve nos nossos dedos inteiro

e sob a nossa voz a nossa boca o nosso olhar
não estar nenhum rumor nenhum silêncio
nenhum gesto


Francisco José Viegas

sexta-feira, setembro 26, 2008

Saudades de mim!...

Tinha o vento contra a cara e as nuvens e as ondas do mar por conta própria. Sofria muito de amores e não havia amor que durasse que não magoasse. Jurava-me que um dia viria a não ser eu, sem saber o que dizia, sem antecipar a ilusão. Para me vingar de quem não gostava de mim, em primeiro lugar da minha mãe. E agora a dor de ser quem já não se queria, ultrapassada a irremediável distância que vai do desejo ao seu fim, sem mais nada poder adivinhar. Saudades de mim. De quem nunca fui.
Eu não queria. Eu nunca quis. Minto. Eu quis quando não sabia o que queria.


Pedro Paixão
Saudades de mim de Quase Gosto da Vida que Tenho

quinta-feira, setembro 25, 2008

Caminho!...


Caminho sem pés e sem sonho

Só com a respiração e a cadência

Da muda passagem dos sopros.

Caminho como um remo que se afunda.

Os redemoinhos sorvem as nuvens e os peixes

Para que a elevação e a profundidade se conjuguem.

Avanço sem jugo e ando longe.

De caminhar sobre as águas do céu.



Daniel Faria

terça-feira, setembro 23, 2008

Ao correr da tarde!...


Ao correr da tarde
Adormece o dia
Com os olhos na praia!
Uma gaivota plana no
meu peito
De passos contados
Sossega o sonho
Um pontapé faz saltar o dia
Mas não a memória de ti!


annadomar


segunda-feira, setembro 22, 2008

Em tua memória!...


Em Setembro, a saudade de ti,
veste-se mais a rigor!...
annadomar

domingo, setembro 21, 2008

Dúvida



Amor

a tua voz

e a minha sensação
de vácuo

de liberdades paralelas

ontem

esquinas encontradas

no ângulo dos lábios

Amor

a tua lâmpada de nevoeiro

sulcado

manhãs de aves

súbitas

com noites inventadas

nada

é o teu rosto

insectos de vertigem

sem paisagem.


Maria Teresa Horta

sexta-feira, setembro 19, 2008

Este carmim!



Este carmim em branco

Tem a voz do Outono

Sem compromissos

Sem gestos de continuidade

Sem mãos que segurem

O tempo, os passos, os abraços

Que a vida entrega!...

annadomar

quarta-feira, setembro 17, 2008

Por dentro da tua voz!...


Por dentro da tua voz,

posso adivinhara cidade longínqua

que te perturba o rosto.

Vieste de todos os lugares onde as emoções

se expõem do lado da desordem,e

chegaste com os pássaros transparentes

que, agora, repousam nos teus olhos:

água ou mágoa, a juntar os pedaços da tua sombra,

repartida por quantos silêncios te cercaram?

Não. Não te ausentes ainda.

Deixa-me reaver todo o júbilo das mãos,

na curva do teu peito,

onde vejo uma pátria

cor de trigo, que me aquieta o corpo.


Graça Pires
Ortografia do Olhar(Blog)

Lilac Wine Jeff Buckley


Como é doce anoitecer!...

terça-feira, setembro 16, 2008

Palavras para uma cidade!





Palavras para uma cidade (excerto)


Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória. Memória que é a de um espaço e de um tempo, memória no interior da qual vivemos, como uma ilha entre dois mares: um que dizemos passado, outro que dizemos futuro. Podemos navegar no mar do passado próximo graças à memória pessoal que conservou a lembrança das suas rotas, mas para navegar no mar do passado remoto teremos de usar as memórias que o tempo acumulou, as memórias de um espaço continuamente transformado, tão fugidio como o próprio tempo. Esse filme de Lisboa, comprimindo o tempo e expandindo o espaço, seria a memória perfeita da cidade.


José Saramago

segunda-feira, setembro 15, 2008

...e de repente!...




«e, de repente, apetece morrer. Apetece o grande sossego, imóbil e definitivo. Realmente dormir acabado. O silêncio. A solidão sem sobressaltos paisagens caras novas. A paz connosco. E sem espelho. Não ver ninguém, já mais ninguém. Esta esperança mais que certa seja acompanhada de cantos e alegria. Sem olhar para trás, para quem fica andando, ainda ache graça. Os imprevisíveis lamentáveis acidentes da nossa viagem, mesmo os veniais, aqueles de que nos não demos conta na altura mas ficaram vibrando ocultos em nós como alarmes parasitas, clandestinos mas insistentes, uma térmita na aparência insignificante inofensiva embora voraz e teimosa, continuaram ressoando corroendo desfazendo lentamente uma qualquer fibra que nunca saberemos onde estava e era importante. Não se previa já? Ou seria então o alvo determinado, a rota desde sempre planeada que muito nos espanta permanecesse assim mascarada doutros caminhos possíveis. A sabermos tudo antes, que chateza, que falta de iniciativa! Morte prematura. Insisto, jogando no António Maria Lisboa: apetece descansar e deixar os outros descansar e descansados.»


Luiz Pacheco (1925-2008)
[in Textos de Guerrilha 2, Ler Editora, 1981]

terça-feira, setembro 09, 2008

Há dias assim limpos, transparentes, em que acordamos dispostos a tudo, de coração aberto, sem horas, sem acordos…
Acontecem milagres, o telefone toca e vozes da infância soletram afectos do outro lado do Mundo, tão longe tão aqui, a emoção estremece-nos os sentidos, rodopiam imagens tão carinhosas, revemo-nos a correr de mãos dadas e conciliados com a vida, tudo cheira a novo, o barulho do mar é mais harmonioso e a uma onda, sucede outra mais brilhante, abrem socalcos aconchegantes.
O olhar muda quando isto acontece!


Amanhã vou querer estar por aqui.

annadomar

segunda-feira, setembro 08, 2008

Diz homem...

Diz homem, diz criança, diz estrela.
Repete as sílabas
onde a luz é feliz e se demora.
Volta a dizer: homem, mulher, criança.
Onde a beleza é mais nova.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, setembro 05, 2008

Na palma da mão!...


Na palma da mão,
Guardou a chuva
Da última noite em
Que Setembro se retempera
Provou-a e sabia a fresco
Aconchegou-se na memória
De outras chuvas, junto aos vidros
Em que escrevia mar, oceano ou
Apenas um fio de água!...

annadomar

quinta-feira, setembro 04, 2008

Conto Japonês!...



Há um conto japonês milenar que é mais ou menos assim:
Numa planície, viviam um Urubu e um Pavão.
Certo dia, o Pavão reflectiu:
Sou a ave mais bonita do mundo animal, tenho uma plumagem colorida e exuberante, porém, nem voar eu posso
de modo a mostrar minha beleza, feliz é o urubu que é livre para voar para onde o vento o levar.
O Urubu, por sua vez, também reflectia no alto de uma árvore: Que infeliz ave sou eu, a mais feia de todo o reino animal e ainda tenho que voar e ser visto por todos, quem me
dera ser belo e vistoso tal qual aquele pavão.
Foi quando ambas as aves tiveram uma brilhante ideia em comum e juntaram-se para reflectir sobre ela:
Cruzarem-se seria óptimo para ambos, gerando um descendente que voasse como o Urubu e tivesse a graciosidade de um
Pavão.
Então cruzaram-se e daí nasceu o Peru , QUE É FEIO E NÃO VOA!!!!

Conclusão: se estás mal, não tentes mudar,que podes piorar!...

terça-feira, setembro 02, 2008

Máquina do Mundo!...


O Universo é feito

essencialmente de coisa nenhuma.

Intervalos, distâncias,

buracos, porosidade etérea.

Espaço vazio, em suma.

O resto, é a matéria.

Daí, que este arrepio,

este chamá-lo e tê-lo,

erguê-lo e defrontá-lo,

esta fresta de nada aberta no vazio,

deve ser um intervalo.


António Gedeão





segunda-feira, setembro 01, 2008

Escrevo!...


Escrevo o poema mais triste

atirado ao mar

afasta-se da costa sem regresso

A tinta apaga as letras, as vogais

as palavras construidas

com a dor de hoje

tão nova como ontem

tão real, como a manhã

que acaba de tropeçar na madrugada
Nada é hoje!
Foge o tempo e a dívida
da alegria que partilhamos!...
annadomar